segunda-feira, 5 de março de 2012

Artigo sobre os 15 anos de atuação da ONG SOS Mulher Família

SOS MULHER FAMÍLIA DE UBERLÂNDIA:
Há 15 anos “metendo a colher” na violência conjugal e intrafamiliar
Cláudia Guerra*

Na semana do Dia Internacional da Mulher, a ONG SOS Mulher Família de Uberlândia-Pela Paz Conjugal e Intrafamiliar comemora seus 15 anos no dia 06/03/2006, sendo uma Organização Não-Governamental, de Utilidade Pública Municipal e Federal e premiada com título Excelência Cidadã, constituída em 1997 e contando com trabalho interprofissional gratuito e predominantemente voluntário de assistentes sociais, psicólogas/os, historiadores/as, advogados/as, pedagados/as dentre outras áreas afins, com atuação e intervenção a aproximadamente 200(duzentos) casos novos anuais(primeiro atendimento) de violência conjugal e intrafamiliar e somados a atendimentos de programas como a PAM e o Chegando Perto são aproximadamente 1.200(mil e duzentos) atendimentos anuais, seja essa violência física, sexual e/ou psicológica/emocional/moral e patrimonial, com atendimentos individuais, com o casal ou em grupos. Tem também recebido e co-supervisionado estagiários/as desses setores citados.
Além disso, atua na PAM “Patrulha de Atendimento Multidisciplinar”, uma parceria entre SOS Mulher Família, Polícia Militar, Universidade Federal de Uberlândia e Prefeitura de Uberlândia para abordagens domiciliares e, em rede, a casos de violência intrafamiliar. Funciona também como centro de referência para atendimentos e encaminhamentos, em parceria com a Delegacia de Mulheres, à Casa Abrigo Travessia de Uberlândia/Núcleo de Apoio à Mulher/SMDST, local sigiloso que abriga temporariamente mulheres e filhos/as em situação de risco pela violência intrafamiliar. O SOS foi o fomentador inicial desse núcleo público e do programa de abrigamento. Desenvolve também atividades sócio-educativas e preventivas junto à comunidade e orientação a pesquisadores/as, além de contribuir para a criação de órgãos similares na região e no Brasil.
Alguns dados mostram-se reveladores a apontam para o problema enquanto de saúde e segurança pública e de direitos humanos: “O número de mulheres vítimas de violência doméstica e sexual, no Planeta Terra, é maior do que o número de vítimas em todos os conflitos armados”. (Casa de Cultura da Mulher Negra, de Santos/94); A violência doméstica é a maior causa de ferimentos femininos em todo o mundo, e principal causa de morte de mulheres entre 14 e 44 anos. (Rel. Dir. Hum. Da Mulher da Human Rights Watch/96); 01 em cada cinco dias em que as mulheres faltam ao trabalho é motivado pela violência doméstica. (Banco Mundial/98); O risco de uma mulher ser agredida em sua própria casa pelo pai de seus filhos, ex-marido ou atual companheiro é nove vezes maior que sofrer algum ataque violento na rua ou no local de trabalho (BID – Banco de Desenvolvimento/98); De 10% a 34% das mulheres do mundo já foram agredidas por seus parceiros; Segundo a OMS, 30% das primeiras experiências sexuais das mulheres foram forçadas; 52% das mulheres são alvo de assédio sexual; Incontáveis casos de homicídios são praticados pelo marido ou companheiro sob a alegação de legítima defesa da honra.  (Organização Mundial de Saúde/2001); O Brasil perde 10,5% do seu PIB (R$84 bilhões anuais) com os problemas da violência. (Banco Mundial/98); No Brasil, 70% dos casos de incidentes violentos devem-se ao espancamento de mulheres por seus companheiros; os agressores escapam de penas alegando ter agido “sob forte emoção”; 50% dos assassínios de mulheres são cometidos por seus parceiros e há uma média de 2,1 milhões de mulheres espancadas, por ano, 175 mil por mês, 5,8 mil por dia.(Human RightsWatch./96 e Pesquisa Nacional da Fundação Perseu Abramo/2001 e revisão 2002);  “1 mulher é espancada a cada 15 segundos no Brasil” (Fundação Perseu Abramo 2001 e revisão 2002);  “Apanhar dentro de casa é uma realidade para 63% das mulheres brasileiras” (Ministério da Justiça/98); Apesar de as pessoas de baixa renda procurarem mais os serviços públicos, as relações de violência entre homens e mulheres ocorrem em todas as classes sociais, raças e etnias; As classes médias e altas não denunciam, muitas vezes, por terem um “status” a preservar e receiam escândalos; Dos 115.000 processos criminais analisados, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em tramitação, durante o primeiro semestre de 1995, 17.625 , ou seja, 15% são de crimes contra a mulher e 41,55% desses, constituem-se lesões corporais - agressões físicas e espancamentos. Os homicídios representam 13,92% e atingem na maioria mulheres entre 18 e 35 anos. Os crimes de estupro representam 11,88% dos processos. Na maioria das vezes o réu é o marido, o companheiro ou parente próximo da vítima. (Comissão Especial da Assemb. Legislativa de Minas Gerais/95); Como proposta de combate à violência contra a mulher, a criação de abrigos para mulheres e seus/suas filhos/as é a que merece maior adesão (43% na primeira resposta, 74% na soma de 3 menções); A criação de Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (21%) aparece como segunda principal medida, seguida por um serviço telefônico gratuito – SOS Mulher e um serviço de atendimento psicológico para mulheres vítimas(propostas empatadas tecnicamente com 13% e 12%, na ordem), dentre oito ações de políticas públicas sugeridas. (Fundação Perseu Abramo 2001 e revisão 2002); Somente 1/3 das relações de violência entre os sexos é denunciado; De mar. a nov./96, em Uberlândia, ocorreram aproximadamente 11 assassinatos envolvendo mulheres, sendo a maior parte crimes passionais; de jan. a dez./96 foram registrados, ainda, aproximadamente 58 estupros e de mar. a ago./97 houve 5 assassinatos de mulheres; de jan. a jul./97 foram aproximadamente 15 estupros. (Dados fornecidos pelo jornalista Pedro Popó); Dentre os processos crimes, envolvendo crimes contra a mulher, pesquisados no período de 1980 a 1994, no Fórum Abelardo Penna de Uberlândia, constata-se que a maior parte dos crimes são lesões corporais, em seguida os homicídios; os agressores, na sua maioria: amásios, maridos, namorados e ex; com instrução; brancos, de 21 a 40 anos; motivados por ciúmes e a impunidade prevalece. (Dissertação de Mestrado defendida na USP em 1998, por Cláudia Guerra).
São fatores inibidores da denúncia da violência conjugal/familiar: crença de que a violência é temporária, consequência de uma fase difícil; receio de possíveis dificuldades econômicas na ausência do companheiro; a situação dos filhos caso este tenha ficha na polícia ou fique desempregado; vergonha perante os filhos; pena do agressor que é violento “só quando bebe”; vergonha de ser vista como espancada; falta de apoio familiar; medo do agressor; sentimento de culpa; receio de ficar sozinha; falta de informações e de ajuda especializada; baixa auto estima; falta de infra-estrutura e atendimento precário de delegacias gerais, especializadas ou juizados especiais e/ou descrença nos serviços prestados, isolamento, “Síndrome de Estocolmo”(gratidão ao homem por não matá-la substitui a raiva ou medo), visão religiosa equivocada e de conformação, dentre outros.
Não é atoa que as mulheres permanecem, em média, de 10 a 15 anos na relação violenta. Num local que deveria haver cumplicidade e tolerância e investiram sonhos, projetos, filhos, sexualidade, afetos é onde vivem a violência e daí sua complexidade diferenciada de uma vivência violenta com pessoas estranhas. Daí eliminar o mito: “ela gosta de apanhar”.
São fatores que contribuem com as relações de gênero violentas: feminização da probreza; aspectos sócio-culturais e simbólicos que definem papéis sociais desiguais para homens e mulheres, desde a educação diferenciada para meninos e meninas; padrão sexista /machista nos relacionamentos; desigual divisão social do trabalho; exclusão política feminina; pequeno percentual de mulheres ocupando cargos de chefia, resultando em desigualdades. A violência física, psicológica e sexual pode ser entendida como um recurso extremo para manter as mulheres “em seu lugar” de inferioridade e submissão, na relação de poder.
Compreender a violência na sua complexidade é fundamental para um atendimento humanizado, ético, qualificado, profissional e o mais imparcial possível, desnaturalizando-a, mas não a justifica.
Algumas possíveis características de mulheres e homens em relações violentas: mulheres – insegurança/dependência, culpa/vergonha, medo, reações à violência(com marido ou filhos), há outras vítimas além das que estamos acostumados/as(prostitutas, dependentes químicas, com problemas mentais) e homens – controle(externo, mas dificuldade de auto controle), baixa resistência à frustração e “explosão”, insegurança e baixa auto-estima, rigidez(quanto a papéis tradicionais), dependência/medo de abandono, responsabiliza outros, “dupla personalidade”(no privado e no público).
Engana-se quem pensa que a violência conjugal/doméstica/familiar é decorrente de fatores(mistificados) como desemprego, alcoolismo e miséria. Esses são apenas facilitadores/catalisadores. “... A violência apresenta as seguintes características: visa à preservação da organização social de gênero, fundada na hierarquia e desigualdade de ‘lugares sociais sexuados’ que subalternizam o gênero feminino; amplia-se e reatualiza-se na proporção direta em que o poder masculino é ameaçado; é mesclada com outras paixões com caráter positivo, como jogos de sedução, afeto, desejo, esperança que em última instância, não visam abolir a violência, mas a alimentá-la, como forma de mediatização de relações de exploração-dominação; denuncia a fragilizada auto-estima de ambos os cônjuges, que tendem a se negar reciprocamente o direito à autonomia nas mínimas ações”. (Saffioti/95).
A instituição possui dois fóruns permanentes, as reuniões mensais para discussões e deliberações administrativas e os cursos de formação continuada, dinâmicas de grupo e supervisões para equipe de atendimento, onde são realizados estudos teóricos, discussões de casos e se fornece suporte emocional e condições para o auto-conhecimento e para se lidar com as relações interpessoais, tendo em vista a atuação com violência de gênero e a não-violência institucional.
Possui assento no Conselho Municipal da Mulher e da Criança e Adolescência, com objetivo de contribuir com a elaboração, fiscalização e acompanhamento de políticas específicas e sugestões de projetos-lei e representante no Núcleo de Estudos de Gênero da UFU, com vistas a aprofundar teoricamente e a desenvolver linhas de pesquisa sobre a temática relações de gênero.
A prestação de serviço tem se ampliado e a demanda também. Tem buscado se diferenciar, construindo um trabalho articulado em rede e com atendimento interprofissional qualificado e ético. Conta hoje com aproximadamente 15 profissionais voluntários/as, 5 estagiários/as, 1 cedida da PMU, 2 funcionárias Assistentes Sociais, 1 funcionária Assistente Administrativa, 1 Contador e 1 diarista, esses cinco últimos remunerados com uma pequena subvenção municipal. Necessita também de possuir mais profissionais especializados para os atendimentos, com pelo menos 1 de cada setor sendo remunerado para que haja supervisões permanentes a estagiários/as e acúmulo de experiência nos setores sem tanta rotatividade e ainda contar com um(a) gestor diário. Precisa também de maior parceria com o setor privado, afim de adotarem voluntários/as para a ONG, além de sede própria(poder eliminar o aluguel) com espaço físico mais adequado às especificidades do atendimento.
Nesse sentido, a comunidade é convidada a conhecer melhor o trabalho, índices de atendimento para que possa ser ainda mais parceira e, as empresas, numa perspectiva de poderem desenvolver um trabalho de investimento/responsabilidade social junto a essa ONG, atuando em projetos de participação comunitária, podendo além de ter descontado imposto de renda poder pleitear o Selo Empresa Cidadã e Título de Desempenho Comunitário de Uberlândia ou outra premiação local ou nacional.
E por tudo isso os lemas do movimento de mulheres: “quem ama não mata”, “o silêncio e a impunidade são cúmplices da violência”, “é possível uma vida sem violência”, “sem as mulheres, os direitos não são humanos”, “sua vida recomeça quando a violência termina”, “homem que é homem não bate em mulher”, “onde tem violência todo mundo perde”, “tolerância zero para violência conjugal e intrafamiliar”, “vamos apagar esta mancha de nossa história”, “em mulher não se bate nem com uma flor”, dentre outros.
Se a violência existe, ela pode se intensificar, por isso busque ajuda, pois a vida recomeça quando a violência termina.
Comemoraremos essa trajetória com Festa Beneficente em prol da ONG, no dia 07/03, quarta-feira, das 20h às 00h, no CDL Uberlândia, com a fantástica Banda Lísias e esperamos a comunidade para vir fazer a diferença conosco.
Maiores informações e encaminhamentos de casos à ONG: R. Johen Carneiro, 1454, Lídice, Uberlândia-MG, fone(0xx34)3215-7862. Funcionamento de 2a- a 6a-, das 8h às 12h e das 13h às 17h.

*Cláudia C. Guerra
Mestre em História; professora universitária; uma das membro fundadoras, voluntária e da diretoria da ONG SOS Mulher Família de Uberlândia e pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero da UFU.


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